O gradativo andamento da reforma tributária no país iniciado a partir da promulgação da Emenda Constitucional 132/23 traz consigo embates e dúvidas que precisam ser solucionadas para que o processo de implementação da maior mudança estrutural do sistema tributário brasileiro das últimas décadas ocorra com equilíbrio e de modo a dirimir (e não a aumentar) a insegurança jurídica que paira sobre nosso complexo modelo de arrecadação de impostos e obrigações.
Na esteira desses debates, a pauta em torno do Comitê Gestor do IBS (Imposto sobre Bens e Serviços) — ente que será criado para operacionalizar o novo imposto que unifica, em um só tributo, o ICMS e o ISS — ganhou relevância nos meios especializados com a devida apresentação do PLP 108/24, que regulamenta o órgão e, neste mês de novembro, foi enviado à Mesa Diretora do Senado para apreciação.
Fato é que, dada a amplitude de suas funções, sua importância no que concerne ao equilíbrio federativo na distribuição das receitas tributárias e os possíveis cruzamentos entre o poder do Comitê Gestor e a autonomia dos estados e municípios no novo modelo proposto, o papel e os limites da nova autarquia merecem, de fato, um olhar mais cuidadoso.
Em princípio, o Comitê Gestor do IBS será composto por representantes dos estados, do Distrito Federal e dos municípios (com 27 representantes dos estados e outros 27 membros municipais), com a missão central de centralizar a regulamentação (inclusive por meio da criação de normas específicas de caráter técnico), a arrecadação e a repartição das receitas arrecadadas com o IBS, além de atuar na resolução de disputas entre os entes federativos e sendo ainda dotado de autonomia administrativa e orçamentária.
Exclusão da União do Comitê Gestor
Nesse contexto, um ponto que, ao menos em tese, serviria para reforçar a autonomia das entidades subnacionais se dá a partir da exclusão da União no quadro de representantes do Comitê Gestor — todavia, um dos embates presentes diz respeito ao número reduzido de representantes para um país de dimensões continentais e composto de mais de 5,5 mil municípios, questão que levanta um possível risco de conflitos futuros e sobreposições entre os interesses do órgão e os de entes que se sentirem eventualmente prejudicados com decisões do Comitê.
É válido lembrar ainda que hoje o ISS é uma das principais fontes de recursos financeiros para os municípios que, naturalmente, podem enxergar na criação do colegiado uma perda de influência — e, tão por isso, já há disputas tanto em relação a participação no Comitê Gestor do IBS, quanto em relação aos critérios para a eleição dos membros propostos no PLP 108/24 — cujas cidades com maior população terão também maior peso nos votos dos representantes municipais.
Outro elemento de discussão importante está na própria inovação da sistemática do Comitê. Ainda que o órgão dialogue, em termos de autonomia, com o modelo de autarquias como a Confaz (Conselho Nacional de Política Fazendária), hoje o país não dispõe de colegiados que centralizem poder semelhante para, por exemplo, definir como se dará a redistribuição dos valores cobrados no destino — gestão que antes também era pelas entidades subnacionais, reforçando o debate de um eventual agravo ao pacto federativo.
Temos ainda de não perder de vista o aspecto crítico sobre o papel do Comitê durante o período de transição da reforma tributária que, conforme supracitado, será demasiado longo, se estendendo até 2033.
Harmonizar interesses na distribuição de arrecadação
Nesse intervalo de coexistência híbrida entre duas sistemáticas tributárias, a complexidade na gestão de receitas fiscais só aumenta e pode gerar ainda mais incertezas e litígios. Tal ambiente, por sua vez, amplifica ainda mais a difícil tarefa do Comitê Gestor do IBS de, concomitantemente, harmonizar interesses sobre a aplicação e distribuição da arrecadação do novo imposto; ao mesmo tempo em que trabalha para evitar desequilíbrios fiscais que possam prejudicar entes mais vulneráveis, em especial, os municípios menores.
Daí a importância do debate público amplo e da respectiva atenção dos senadores do Congresso Nacional para possíveis ajustes finais no texto do PLP 108/24, que deverá ser votado pelo Senado, ao que tudo indica, somente em 2025. Só com esse olhar acurado, o órgão conseguirá, de fato, trazer mais clareza e segurança jurídica para a operacionalização de uma base importante da reforma tributária.
Caso seja bem-sucedido, o processo de implementação do Comitê Gestor tende a se colocar como um indicativo importante de êxito na profunda mudança estrutural que o país vivencia na esfera tributária, gerando potencial eficiência, transparência e auxiliando no enfrentamento de questões complexas como a eterna guerra fiscal entre os entes subnacionais. Para este momento, as disputas seguem presentes e potenciais riscos precisam ser vencidos em prol do interesse comum.
Fonte: ConJur